A Origem Da Viola
A viola é por
excelência um instrumento musical do meio rural, sendo muito disseminada em
nosso país, e encontrada nos mais longínqüos rincões do sertão brasileiro.
Sua origem é remota.
No baixo latim encontramos: vidula, vitula, viella ou fiola, mas nenhum destes
vocábulos serviu para designar a nossa viola. Tratava-se de um violino pequeno,
um tetracórdio. Era a viola de arco, uma espécie de rabeca. Mas a nossa viola é
também bastante idosa, veio de Portugal e ao aclimatar-se em terras brasileiras
sofreu algumas modificações, não só em sua anatomia como também no número de
cordas. É a lei da evolução. Evoluiu tanto que nós conhecemos no Brasil cinco
tipos distintos de violas de cordas de aço: a paulista, a goiana, a cuiabana, a
angrense e a nordestina. Dos tipos mencionados, estudaremos apenas a paulista e
a angrense pelo fato de serem as mais conhecidas e encontradas com maior
freqüência em nosso Estado.
A viola é o
instrumento fundamental do "modinheiro", é cordofônio, pois suas cordas
comunicam sua vibração ao ar. Serve para acompanhamento de canto e dança. Pode
ser tocada só, executando solos, em dupla, o que é muito comum ou para
acompanhamento.
Ao lado da viola,
porém com menor freqüência, encontramos a rabeca, também oriunda de Portugal.
Parece que a rabeca foi no passado a companheira inseparável da viola, sendo
atualmente olvidada, quase que só encontrada no litoral. A rabeca não dispensa a
companhia da viola, pois não costumam fazer solos de rabeca. Completando a
enumeração de cordofônios tradicionais, preciso é mencionar o cocho, viola
rudimentaríssima, hoje completamente esquecida. Dele tivemos conhecimento
ocasionalmente em Tietê, por ocasião de um Cururu rural, num pouso da Bandeira
do Divino Espírito Santo, em outubro de 1947.
A urbanização da
viola, isto é, a sua entrada nos palcos e hoje nos auditórios das estações de
rádio e televisão, devemo-la ao saudoso folclorista paulista Cornélio Pires,
que em 1910 organizou um programa de violas no palco da cidade de Tietê e pouco
mais tarde, num festival em São Paulo, no então Mackenzie College.
O violão, que na
urbanização da viola está ao seu lado, goza atualmente na cidade tão larga
difusão que podemos dizer que é o instrumento do meio urbano. O violão já foi
largamente desacreditado. Tocador de violão era sinônimo de vagabundo. Graças ao
velho Catulo da Paixão Cearense, o violão hoje anda nas mãos das "granfininhas".
E que realeza tem um violão enfeitado pela Inezita Barroso! Bem, voltemos à
nossa viola.
Quando os portugueses
aqui chegaram, ao lado do desejo de trabalhar na dura lide de povoar e colonizar
as terras cabralinas, trouxeram também algo que encheria os momentos de lazer.
As danças e os cantos camponeses, a viola, a rabeca, o adufe, o triângulo, a
tarola, o culto a São Gonçalo, as Folias de Reis e do Divino Espírito Santo e os
votos de comer e beber na Igreja, estes já codicilados e condenados nas
Ordenações Filipinas. Na terra além-mar eles iriam viver e, as danças, cantos,
cerimônias religiosas contribuíram para anular a nostalgia.
A viola de arame, de
Braga (Portugal) ou viola braguesa, ao chegar ao Brasil parece não ter evoluído
muito, ao ponto de vista social, como aconteceu com sua irmã rabeca, que tomando
ares civilizados, com roupagem mais sólida, tornou-se o aristocrático violino
que subiu para os coros das igrejas católicas, deixando cá fora, nas soleiras
das portas das choupanas, aquela que é mais rica em número de cordas, porém
pobre nos atavios, feita até hoje de tábuas de caixão.
Não possuímos um
regular acervo de elementos para comparar a antiga viola braguesa com a atual
viola caipira. No presente trabalho não temos em mira apresentar os resultados
de uma pesquisa histórica desse instrumento, como nos sugeriu Mário de
Andrade, em 1943, mas deixamo-lo em andamento. Estamos ainda colhendo
documentação. Apenas queremos afirmar que si fora instrumento popular entre os
campônios portugueses, qual a guitarra, aqui é também popular entre os caipiras
e caiçaras.
Viola artesanal
sendo
feita em Tatuí, São Paulo. |
A viola veio da
cultura ibérica, onde parece ter surgido por influência dos mouros. Gustavo
Pinheiro Machado (progenitor da aviadora Grésia Pinheiro Machado) era um
virtuose da viola e afirmava em uma moda de sua autoria que "a viola tinha pais
portugueses, o violão tinha pais espanhóis, ambos eram netos de mouros e
bisnetos de hebreus".
Não há dúvida que
tenha sido introduzida pelos portugueses. Gabriel Soares de Souza, a ela
se refere. Joaquim Ribeiro, no seu precioso "Folclore dos Bandeirantes"
fala sobre a moda... e não há moda sem viola. Nos mais antigos documentos que
temos manuseado, nos inventários do Arquivo do Estado, sobre a viola há apenas
referência determinada e jamais qualificativa. O mesmo se dá com a "rabeca com
seu arco de crina do dito instrumento de folia". Cremos entretanto que a vida
nômade dos sertanistas e bandeirantes não impedia o uso da viola. Trago para
estas páginas o testemunho insuspeito de meu avô materno, Virgílio Maynard,
tropeiro, que dos 12 aos 60 anos anos de idade, isto é, desde 1870 palmilhou as
ínvias estradas do Rio Grande do Sul a São Paulo. Contava que nunca vira seus
peões e camaradas viajarem sem sua viola, quase sempre conduzida dentro de um
saco, amarrada à garupa de seu animal vaqueano. Não havia pouso que após o
trabalho azafamado do dia, não tocassem antes de dormir o sono reparador. Quando
a zona era infestada por animais ferozes e havia necessidade de dormir com o
fogo aceso noite a dentro, o violeiro, no interregno de lançar achas ao
braseiro, plangia sua viola dolentemente.
As violas mais
antigas que temos tido conhecimento são feitas à mão por algum "curioso". É
recente sua industrialização. As violas feitas em série e vendidas a baixo custo
são inferiores em som às feitas à mão. Tiveram porém, o privilégio de desbancar
aquelas, sendo hoje raríssimo encontrar "fazedores de viola". Embora o violeiro
dê preferência à feita à mão, economicamente se vê obrigado a comprar a
industrializada. E digno de nota, estas são vendidas nas "Mecas" do catolicismo
romano em nosso Estado. Assim podemos ver em Pirapora do Bom Jesus, Aparecida do
Norte, Bom Jesus de Iguape e Bom Jesus dos Perdões, onde os romeiros, na sua
maioria gente da roça, aproveitam para cumprir suas promessas e fazer sua
"comprinha". Nessa Mecas, ao lado das belíssimas manifestações de fé ou histeria
coletiva, da sinceridade, da promiscuidade que a falta de acomodações facilita,
da jogatina "inocente", há manifestações riquíssimas do folclore: o linguajar
característico, danças com indumentária garrida, trajes e costumes diferentes,
oferecida de ex-votos que em geral são peças esculturadas ou pintadas, enfim se
põe em contato com um mundo de coisas que bem merecem um estudo acurado de um
sociólogo. Nos quatro lugares acima mencionados, pudemos em 1946,1947 e 1948,
constatar a venda de violas industrializadas e as raras feitas à mão e ao mesmo
tempo confirmar a diferença que havíamos notado entre a viola de beira-mar e a
de serra-acima.
A linha divisória
seria tomada pela Serra do Mar, pois este elemento geográfico também delimita em
parte os costumes, nos dando marcantes diferenças entre o caiçara do litoral e
caipiras do interior. Comprovamos o fato da influência geográfica nos usos e
costumes com o fato de em Xiririca, Jacupiranga, Miracatu, Sete Barras, Registro
e mesmo Iporanga, serem bem distantes do litoral, mas muitos de seus usos e
costumes serem idênticos aos de Cananéia e Iguape. Há grande identidade na
linguagem, nas danças como o Fandango, Congadas, Folias de Reis e também no uso
da viola ao lado da rabeca. Até nos implementos das danças, como seja o tamanco
para o fandango rufado, os feitos no litoral são idênticos, até na escolha da
madeira e fixação da contra-alça, aos das cidades marginais do Rio Ribeira.
É claro que os
acidentes geográficos, os meios de comunicação influenciem os usos e costumes. A
facilidade de compra de um instrumento contribui para que se generalize a sua
adoção. Assim é que, antigamente, os moradores de Cunha, que levavam dois dias
para ir até Guaratinguetá ou Aparecida, e apenas um para ir até Parati, no
litoral fluminense, adotaram a viola do tipo angrense ou do litoral. É
largamente disseminado como o é no litoral o uso da rabeca, até mesmo na dança
de Moçambique. Com o estabelecimento da estrada de rodagem, a ligação diária por
meio de ônibus entre Cunha e Guaratinguetá até os moradores de Taboão,
encostados na Serra do Mar, preferem hoje adquirir suas violas em Aparecida do
Norte. Aliás, fenômeno idêntico podemos constatar em São Miguel Arcanjo, no sul
do Estado. Devido ao fato de descerem anualmente, por ocasião das romarias de 6
de agosto ao santuário de São Bom Jesus de Iguape, para o cumprimento de
promessas, encontramos alguns traços da cultura material litorânea entre os
caboclos dessa zona. Zona que no passado esteve circunjacente às estradas de
tropeiros. Mas anotamos a presença de panelas de barro do Peropava, bairro de
Iguape, e até a viola do tipo do litoral, feita em Guaxixi, bairro de Cananéia,
vendida em Iguape.
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